Pra quem não teve o prazer de ler
A finitude bate à porta a cada perda, a começar pelo companheiro de 60
anos de vida, Fernando Torres. "A coisa mais dolorosa pela qual tenho
passado é ver a minha geração morrer. Nos últimos cinco anos, morreram,
além dele, Paulo Autran, Raul Cortez, Gianfrancesco Guarnieri, Renato
Consorte, Sérgio Viotti, Sérgio Brito, Ítalo Rossi e Millôr Fernandes."
Ela se emociona ao concluir: "Você olha em volta e a sua memória está
ligada a todo esse mundo que se vai. É muito forte". Na lista de baixas
recentes, tem ainda Hebe Camargo que, como ela, nasceu em 1929. "Vivemos
o mesmo período da história. Quem substitui? Ninguém."
Mora só desde que ficou viúva, em 2008. "À noite, eu fico sozinha, não
tenho empregada nem dama de companhia." Não se habituou à ausência de
Fernando. "É estranho. Ainda acho estranho, mas não tem solução."
Teme a solidão? A resposta requer tempo: "Essa palavra é tão forte"¦ Eu
gosto de estar só. Não que goste de solidão. A minha não é vazia".
A exemplo de outros "oitentões" atuais, a atriz é bastante ativa. "Tenho
uma vida intensa, viajo muito a trabalho." Acabou de filmar o longa "O
Tempo e O Vento", também no Sul, e já anda às voltas com a nova peça, um
texto sobre a vida de Nelson Rodrigues que pretende levar aos palcos em
2013.
Dona Picucha foi escrita para a atriz. Os quatro filhos da personagem se veem às voltas com o dilema: Quem vai cuidar da mamãe? "É inevitável. A velhice chega, os filhos têm suas vidas, suas casas e suas necessidades. Há uma preocupação de que é preciso dar atenção à famosa terceira idade. É um desassossego para os dois lados."
Nada de luz especial ou maquiagem para atenuar marcas na tela. "Do ponto de vista interpretativo é um relax. Os empapuçados dos meus olhos ajudam a personagem." Em um comercial de banco em 2010, a atriz foi rejuvenescida com Photoshop.Na vida real, nunca pensou em fazer lifting. "É de temperamento. Se você quiser tomar banhos de cirurgias plásticas, ótimo. Há quem fique feliz em ir se esticando pela vida, às vezes, com resultados extraordinários. Perdi esse bonde. Quem me quiser, tem que me querer com meus papos, minhas rugas."
Nas filmagens de "O Tempo e O Vento" embranqueceu o cabelo. "Se parasse de representar, e eu não penso nisso, deixaria meu cabelo branco sem problema. Se me der na veneta, não pinto mais."
Volta a se emocionar ao falar de legado: "Nada é mais importante do que meus filhos e netos. Eles justificam a minha vida. Algo meu vai estar lá no fim deste século. Se eles procriarem, parte minha restará pelos milênios afora. Penso muito nessa cadeia de seres que foram se sucedendo e chegaram até mim. Não parei a corrente".
Para encerrar a conversa no café do lobby do hotel em Porto Alegre, onde se hospedou nas três semanas de gravação, ela recusa o título de "a grande dama do teatro e da tevê". "Isso é bobagem, um resquício do século 19. Como estamos no século 21, e já se passou um século inteiro, deram uma acalmada nisso."
Copiado da coluna de Mônica Bergamo - Folha on line de 02-12-2012
Quando eu crescer quero ficar parecida com a Fernanda Montenegro