Me impressiona como muitas pessoas conseguem ter uma vida tão regrada, tão cheia de horários e dias exatamente iguais durante anos e anos.
Quando trabalhei com a Princesa, em Paris - ( ver causus da princesa ) isso me deixou agoniada nos primeiros tempos. Depois, nem esquentava mais a cabeça. Cheguei a conclusão, que era a vida dela, não a minha. E que nada neste mundo iria fazer mudar uma pessoa de 70 anos.
Só pra você ter idéia, vou dar uma passeadinha em dia por lá.
Às 8 horas em ponto, nem 8 e 2 nem 2 pras 8 eu entrava no quarto dela, sem abrir a boca. Ia direto pra primeira janela, abria as cortinas, a janela, abria a janela de madeira de fora, que faz escurecer o quarto, grudava a porra da janela em um ferrinho senão o vento fechava ela e a Princesa tinha um troço. Ia pra segunda e pra terceira janela e fazia o mesmo. Saia do quarto, ia até o quarto de entrada que tinha uma mesinha e eu já havia colocado a bandeja com um bule cheio de chá, um pote de iogurte natural e uma cápsula de guaraná em pó. ( sim, o nosso) Entrava no quarto de novo e colocava a bandeja ao lado do travesseiro dela, e saia sem nem olhar na cara dela nem olhar pra trás. Jamais, em um ano que lá estive, foi dita uma única palavra nessa parte da missão. Ah! Na bandeja tinha também o Jornal Figaro.
Saia do quarto e ia fazer o mesmo com todas as outras 11 janelas do apartamento. Chovendo ou fazendo sol.
Bão aí eu ia tomar meu café sossegada e cuidar da minha vida. Neste tempo, escutava a água da banheira e ela tomava seu banho exatamente na mesma temperatura. Tinha uma marca na torneira. Juro, que não tô inventadno nada. Tinha dia de lavar cabelo também. Me esqueci qual. Graças a Deus!
Às 9 horas ela saia do quarto linda e loira, já prontíssima pra ir até prum casamento caso houvesse algum às 10 da matina. Montada no salto e no YSL. Seu costureiro preferido e amigo do peito.
Normalmente ia até a bibliototeca, fazia alguma coisa, me dava a agenda pra eu ver dia dela. Quase nunca almoçava em casa. Muito menos jantar. Era raro.
E caia no mundo.
Se fosse almoçar em casa, o almoço era servido ao meio-dia em ponto. Nem 2 pra meio-dia nem meio-dia e 2. Sempre tomava 1 taça de vinho, e se eu fizesse alguma coisa em maior quantidade, ela reclamava, porque tinha que comer tudo. Não podia deixar. E se engordasse a culpa era minha. Se tivesse muito bom também. Reclamava, mas claro, que na brincadeira. Mas reclamava.
Depois do almoço se sentava na sala principal e eu levava um café pra ela com um quadradinho de uma barra de chocolate especial comprado em uma casa especial. Sempre. Nunca mudou. Se a barra tivesse 10 quadradinhos, dava pra exatos 10 dias. Evidentemente! Nada disso! Ela poderia comer duas barras num dia. Nunca comeu. Levava também um tablete de outro chocolate mais baratim pra cachorra dela.
Só eu mesma, pra ter vivido uma experiência assim!
Tô contando um dia como se ela tivesse almoçado e jantado em casa.
Depois do almoço caia no mundo. O que ela fazia já é outra história.
Assim que ela se levantava da poltrona na sala eu ia lá e fofava a poltrona. Jamais poderia entrar alguém na casa, e ver uma almofada com marca de bunda. Contra a realeza, imagino! Isso a qualquer hora do dia e se sentasse em qualquer almofada da casa. O que me dava ódio era a cachorra dela se esparramar na poltrona. Ocupava umas duas almofadas...rs. E eu tinha que fofar. Queira era fofar a mão na orelha dela. Do tanto que eu gosto de cachorro!
Bão, saracoteava a tarde toda e vamos à hora do jantar. Me esqueci de dizer, que toda segunda-feira de manhã a gente estudava a agenda dela e eu via se ela ia comer em casa algum dia e já fazíamos o cardápio da semana. Tudo absolutamente sem surpresa. Programou na segunda de jantar um peixe na sexta, poderia ter saido pra almoçar e ter comido peixe na sexta, que iria comer de novo à noite, sem reclamar.
Neste tempo eu fazia compras, saia pra qualquer coisa, ou ficava inventando moda.
O jantar era servido às 8:30 em ponto. Nem 8 e trinta e dois, nem 8 e vinte e oito. Antes, ela tomava uma boa dose de uísque só com gelo, e comia 10 azeitonas pretas, 4 rabanetes e 6 castanhas de caju.
Jantava em exatos X minutos, que não me lembro, e, não precisava me chamar pra levar a bandeja. Depois dos X minutos eu podia ir. Jantava vendo o Jornal na TV. Eu entrava e pegava a bandeja, que já tava exatamente todo santo dia no mesmo lugar, com tudo arrumadim, "exclusive" os caroços de azeitona na mesma posição e lugar.
Você não tá acreditando, né? Vou parar de contar então.