Minha amiga, que se foi "antes do combinado" como diz o Rolando Boldrim, era uma judiapolonesafrancesa. Com essa mistura, já dá pra imaginar a peça rara.
Morreu muito contra sua vontade, e a minha, aos 97 aninhos.
Morava sozinha em Cannes e era assistida por um filho que, quando queria sair de férias, me convocava pra ir passar um mês com ela. E eu ia.
Ela cuidou dela mesma até lá pelos 95. Tinha uma faxineira uma vez por semana mas o resto era por conta dela.
O que eu mais gostava quando chegava lá, e achava a coisa mais fôfa do mundo, é que ela tinha pendurado no pescoço uma espécie de reloginho-alarme. Em caso de necessidade, ela apertava o botão e tocava na casa do filho, no corpo de bombeiros, na zeladora do prédio e, se bestar, na casa do bispo.
Assim que eu abria a porta, e ela me via, a primeira coisa que fazia era tirar a corrente com o troço do pescoço e colocar na gaveta. Pode uma ação ser de maior responsa pra mim do que esta? E maior prova de confiança? Era tipo tá comigo tá com Deus. Ai meu Deus!
E repetia o ato na razão inversa, puta da vida, quando eu ia embora. Jamais se despediu de mim. Um ou até dois dias antes que ela sabia que eu iria embora, eu me tornava invisível. Ela voltava a morar só. Não falava comigo, nem olhava pra mim. Uma coisa de louco.
Essa senhora eu conheci quando fui ser babá do bisneto dela, em Paris. Hoje ele tem 20 anos. Desde então, a gente não se separou mais. Mesmo às vezes uma tendo ódio da outra e querendo só matar um pokim...rs.
Portanto, vou comecar a contar aos pouquinhos uma série de histórias muito boas dessa convivência. Como aprendi com ela... e espero que seja de bom aprendizado pra vocês também.
Me aguardem !