Logo que subi, do meu apto, pro nono andar, onde seria o apto. dela, já senti que a coisa não ia ser fácil.
Eu tinha falado, um monte de vezes, com ela, que não seria possível ficar na minha casa com conforto, porque ela é pequena. Por isso, ia alugar um apto no mesmo prédio no que ela concordou e achou ótimo.
Como morava sozinha em Cannes, morar no mesmo prédio que eu, podendo subir e descer quantas vezes fosse necessário, pensei que estaria tudo bem.
Mas, como a "moça" já estava na altura dos seus 94 anos, foi só atravessar o Atlântico que se esqueceu disso tudo.
Não gostou quando chegamos na casa dela. Tudo que eu tinha preparado, não fez sucesso algum. Queria era ficar na minha casa.
Como quando lidamos com criança, fui empurrando a situação com a barriga, pra ver se ela se acostumava. Fiquei por conta dela. Plantão 24 horas.
Fomos ao parque em frente de casa, saímos pra comer fora, fazer comprinhas no supermercado, fomos convidadas pra jantar em casa de amigos.
Aparentemente, estava indo bem.
Na noite de Natal, fomos pra casa do amigo que tinha acompanhado a "peça", de Paris pra cá, e foi muito bom.
Ela se encantou com a fartura de comes e bebes, ganhou presentinhos e tudo.
E, acordando no dia seguinte, me disse à queima-roupa: "Agora vou voltar."
"Como assim cara pálida? Voltar pra onde?"
"Pra minha casa, ora!"
"Como sua casa? Sua casa agora é aqui. Você não disse que queria morar e morrer no Brasil?"
"Eu?"
"Sim, você mesma!"
"Você ficou doida. Pode preparar minha passagem que tô voltando."
Eu ainda tentei enrolar uns dois dias, inventando atividades, disse que iríamos voltar pro Bridge que ela tanto tinha gostado, mas nada. "Quero ir embora."
Hoje, eu penso que, na cabeça dela, foi só um passeio. Veio, passeou, passou o Natal e fim. Volta pra casa.
Quando vi que não tinha jeito mesmo, liguei pros filhos dela e disse: "O povo quer voltar! Disse que já tá bom de Brasil."
Eles riram e disseram: "Ok. Mande a encomenda de volta. Já foi bom, ela saiu, aproveitou, passeou."
Eu providenciei tudo e até fui ao Rio de Janeiro acompanhando. No aeroporto do Galeão, ela se sentou na cadeira-de-rodas, empurrada pela aeromoça, e virou a curva do corredor toda contente, dando adeuzinho. Tudo isso, exatamente 11 dias depois de sua vinda em "definitivA" pro Brasil.
E fiquei eu com aquela cara de frango que caiu do caminhão de mudança...
E agora? Desmanchar o cenário todo que tinha ficado dias arrumando... Santantonho!
Cheguei em BH e fui direto pra agência imobiliária me desfazer do apto. Devolver e pagar a multa. Negocinho da China eles fizeram!
Liguei pro filho dela - o que controlava a grana - pra perguntar o que fazer com tudo que tinha comprado. Ele me disse: "Dê pra alguém. Será que alguém vai querer?"
Perigo nesse país, alguém não estar precisando de alguma coisa. Difícil seria escolher quem.
Me lembrei de uma funcionária da empresa que eu trabalhava, que tinha 4 filhos, sem marido, aquela luta normal de brasileiro, e me lembrei também que ela tinha me falado, há uns tempos, que a geladeira dela tava com defeito ou velha ou sei lá o quê.
Liguei pra ela e perguntei: "Sonia, você já consertou sua geladeira?" e ela disse que não, sem grana, aquela "novidade"!
Então eu disse: "Caminhão do Faustão! Você acaba de ganhar, geladeira, fogão, televisão, cama, mesa com cadeiras, roupas de cama e louça e o cacete a quatro."
Ela pensou que eu tava de brincadeira.
E, claro que ainda tive que arrumar um carreto pra levar a tralha toda pra casa dela, lá no fim do mundo, porque com pobre é phoda, não adianta só doar.
Ainda temos que entregar em casa. Mas o gasto foi muito bem empregado.
E não pensem que ficou por aqui e que findou-se essa saga.
Ainda tem mais!
" Quem não está em movimento, não sente necessidade de conferir a rota. " Francesco Alberoni