Tenho uma família de amigos que tinha dois cachorros. Eram o xodó do dono da casa. Sabe aqueles amigos pra valer, tipo você e eu? Pois é.
Passeio todos os dias, saídas pra passar o sábado fora, remedinhos na hora quando as pestes adoeciam... Tudo muito bem. Só tinha um senão. Ordens da dona da casa. Entrar em casa era proibido. E eu acho que ela tinha toda razão. Bicho não foi feito pra ficar andando em carpete nem subindo em sofá, emporcalhando a casa.
Os danados eram tão espertos, que esperavam o dono da casa chegar e, no que ele abria a porta da sala, eles entravam rapidinho, sob a guarda dele, e faziam o caminho até a cozinha já saindo pro quintal rapidim, antes que a patroa visse. Mas, pelo menos, essa passada rápida pela casa era sagrada.
Um belo dia, o patrão adoeceu, acho que foi dengue, sei lá. Só sei que prostrou na cama e não erguia nem pra dizer ui.
Os bichos, no primeiro dia, ficaram esperando cedinho, na porta da cozinha, a saída pra caminhada e nada, saída pro trabalho e nada, chegada à tarde e nada.
No segundo dia, a mesma coisa, já com as carinhas mais amoadas.
No terceiro dia, rolou um xororô, tristeza absoluta, rabo entre as pernas, e a patroa viu que a coisa tava feia. Tinha baixado o banzo total e, então, ela não teve outra saída. Pensou, pensou, ponderou e resolveu levar as crias pra fazerem uma visita pro dono, pra verem que a coisa não tava boa, mas também não era pra desanimar. A vidinha voltaria ao normal logo, logo.
Não falou nada com o dono da casa. Tipo festa surpresa.
Abriu a porta e convidou os dois a entrarem. O que não deve ter passado pela cabecinha dos pobres: "Aí, tem!" Devem ter pensado. Mostrou a escada e mandou subir.
Eles, sentindo que a barra tava limpa e o cheiro do dono, subiram quiném cometa. Sem conhecer o caminho, foram direto pro quarto e, da porta mesmo, deram um voo até a cama, já com a língua pra fora, pra demonstrarem toda a alegria e contentamento por ver o dono. Esse, no que viu a cena, ficou muito feliz por alguns segundos, mas logo saiu com essa:
"Deve ser meu último dia de vida ou já morri e não tô sabendo!"