É a tendência patológica, mais ou menos voluntária e consciente, para a mentira.
Tenho um amigo assim. Mente muito ! Bastante ! A coisa é tão maluca, que, certa época, conversamos, fizemos um acordo que era pra não deixar ele mentir mais, vários amigos juntos tentando ajudar, tipo, se ele começasse com uma mentira, a gente cortaria e diríamos: "Isso não é verdade!"
E ele consentiu, mas não deu certo e até virava discussão.
"Eu juro!" era o que a gente mais ouvia, então, deixamos pra lá e chegamos à conclusão de que, só um tratamento sério, faria ele parár com isso. Se ele quisesse, é claro! mas, como em todo "vício", a vítima acha que pode cuidar daquilo sozinha, já sabem no que deu : em nada!
E foram causus e causus, situações inacreditáveis! Lembrei de um causu que acho ótimo. A gente riu muito com ele.
Morávamos no Iraque que, geograficamente, é um país muito bem situado pra viajar, conhecer outros mundos. Quando rolava um feriado ou férias, a gente sempre escapulia; tanto podia ser pra Europa quanto pra Ásia ou Norte da África. E todo mundo tinha curiosidade em saber como foi a viagem do próximo, pegar dicas, o que evitar - no que ajudava muito porque, às vezes, fazíamos uma viagem que já vinha toda mastigadinha. Um sucesso! Bem, sucesso pras nossas primeiras viagens porque, depois, descobri que, descobrir por mim mesma, era também muito bom. Mas, enquanto estamos inseguros, é uma boa ir cheio de dicas.
Um belo dia, estávamos almoçando no restaurante da empresa, que era pertim do escritório, tipo uns 200 metros. Éramos cinco à mesa, e, conversa vai conversa vem, saiu assunto de viagens e alguém falou sobre a viagem que tinha feito ao Egito, o tanto que tinha sido legal, etcetera e tal. E foi a deixa pro mitomaníaco entrar na prosa.
- Eu também amei o Egito, principalmente o Cairo, quando....
Nem chegou a terminar a frase, caímos os quatro em cima dele.
- Escuta meu bem : você nunca foi ao Egito. Sabemos onde você já foi. Tem dó! Não inventa !
- Como não fui? Lembra aquela vez....?
E foi inventando, inventando, as companhias, as comidas, os passeios, as compras, e tudo o mais que qualquer um de nós poderia descrever com perfeição, visto que - eu era louca pra escrever "visto que" - de tanto ouvir todos os causus de viagens, conhecíamos tudo de cor e salteado.
Mas, não adiantou. Ele insistia, insistia, então, alguém resolveu pedir a prova que derrubaria nós quatro ou ele : o visto no passaporte - visto tomava uma página, cheio de carimbos e selos.
- OK. Se vocês querem ver meu passaporte, eu pego e vão ver que não tô mentindo. Vou lá no escritório buscar.
E foi ! E nós ficamos esperando, perdendo preciosos minutos do soninho que tirávamos depois do almoço, esperando a prova do crime.
E não é que ele chegou com o passaporte?
O mais interessante de quem mente desta forma, é que a pessoa não desiste. Ou talvez espere que o outro desista. E, nesse dia, a gente não arredou pé.
- Então, mostre o visto.
- E o pobre danou a procurar página por página, ia lá no fim, voltava no começo, começava do meio, de frente pra trás, de trás pra frente e nada.
- Póparar! Falou um. Não tem jeito. Você não vai encontrar uma coisa que não existe.
- Como não existe? Eu fui e tinha um visto.
- Não foi e nunca teve visto pro Egito neste passaporte.
E acredite se quiser : ele não se deu por vencido ! Fechou o passaporte e falou com a altivez de quem nunca mentiu na vida e com a certeza de que falava a mais pura verdade - porque realmente ele acreditou no que disse.
- A tinta desses carimbos árabes é tão vagabunda, que ele apagou. Tá vendo aqui? Ainda tem umas manchinhas. Apagou com o calorão desse deserto.
E cada um tomou seu rumo, sem que mais nenhuma palavra fosse dita.