quarta-feira, 21 de julho de 2010

Chovendo barro e areia no deserto.

Se eu visse essas imagens sem nunca ter vivido essa situação, acharia que era uma montagem ou um efeito especial produzido por Roliúdi ou mesmo pela Central Globo de Produções.
Mas não é não.
Vou tentar me lembrar exatamente como foi o dia que vi pela primeira e única vez, um Mohamed. Como assim, Mohamed ? Este foi o nome que nós, que trabalhamos no Iraque, demos às tempestades de areia, porque, toda vez que começava a ventania, os árabes começavam a chamar "Mohamed! Mohamed!" como os católicos chamam por Deus e cada um por aquilo que crê, quando sente que a situação tá ficando russa.

Me lembro que tava sozinha no meu alojamento, era horário de almoço, quando começou um barulho muito forte. Era o som do vento, só que, no deserto, esse vento fica parecendo trovão, talvez devido à amplidão, ao grande espaço que ele tem pra expandir seu som naquela planície com um campo de visão de 360º.
Olhei pela janela e o tempo tava mudando, como se fosse chover; tempo empoeirado. Nessa época, não tinha telefone no acampamento e, muito menos, nos nossos quartos. Não dava pra ligar pra qualquer pessoa pra compartilhar aquela doideira e, o barulho junto com a areia misturada com terra, foi aumentando, subindo, foi ficando escuro e eu grudei na janela. Como não sabia que ia ver uma verdadeira tempestade de areia no deserto, não tive medo algum, só olhava.
A melhor coisa do mundo é a ignorância. Se eu soubesse o que ia rolar, com certeza a coisa teria sido muito diferente.
Uma tempestade de areia é um desastre como uma grande enchente, um furacão, tufão, incêndio : passa com rapidez e deixa um rastro de transtorno e perdas e danos enormes.
Dentro da minha santa ignorância, só achava aquilo o maior barato. Essas fotos são de uma tempestade no deserto do Iraque, não a que eu vi, mas os nossos alojamentos eram exatamente assim. Esse aí da foto é um acampamento do exército iraquiano (deve ter aí muita coisa aproveitada do nosso) então, foi essa a visão tal e qual eu vi da janela do meu quarto. Veio vindo uma imensidão de areia e terra - a cor era mais de terra - e a nuvem era muito alta. De repente eu não vi mais nada, porque a "fumaça" cobriu o acampamento por algum tempo e virou noite total, completamente escuro, e eu na janela com areia pra todo lado (me lembro que mastigava areia) que entrou por todos os buraquinhos e frestas de todos os quartos, escritório, hospital, cozinha, tudo. Durante muitos dias, ficamos limpando e tirando areia de dentro de tudo -até numa caixa fechada, tinha areia dentro. Uma loucura !

Aí, aconteceu uma coisa que jamais tinha visto - além do que já tava acontecendo : começou a chover barro; era um barulho danado do barro batendo no teto, nas paredes e na minha janela. Chovia pelotas de terra e choveu forte, choveu, choveu, e aos poucos foi limpando o tempo. As pelotas de terra foram ficando menos duras, mais molhadas e a lama escorria do teto. Muito maluco ! E a chuva continuou até ficar chovendo água limpinha. Da mesma forma que veio, tudo voltou ao normal. Abri a porta do quarto, e olhei o deserto. Tava sequinho, com uma poça de água aqui outra ali, mas pude sair normalmente.

E a conversa geral era só uma. Cada um contando como viu e o que sentiu com aquela experiência totalmente nova.

Depois disso tudo, veio uma das mais lindas tardes que já vi na minha vida. Parecia que toda aquela força da natureza tinha lavado a alma do deserto. O céu ficou com uma cor maravilhosa, tudo ficou lindo e só os árabes não achavam graça alguma. Foi aí que fiquei sabendo dos desastres. Nosso acampamento era bem sólido, então não teve casa saindo voando, mas os vilarejos pobres da região, ficaram sem luz, postes caíram, animais morreram, a areia entrou nas casas destruindo muito e deixando um estrago como quando chove e as pessoas ficam com 50 cm de água dentro de casa. Nessa época, também entendi porque as casas deles não tem telhado. Óbvio, né não?

E, durante dias, muito longe do acampamento, quilômetros pra frente e pra trás, andando pelas estradas, a gente via papéis do nosso lixo; muito papel porque, como foi tudo de repente, todo o papel que tava nas lixeiras - que eram tambores grandes - voou pra onde o vento tocou.

E o pessoal da lavanderia também teve trabalho dobrado : tudo teve que ser lavado. Não tinha um único lugar onde não tivesse terra e areia.

E, pra finalizar, uns dez dias depois, o deserto se transformou em várias partes dele num lindo tapete. Verdinho. Incrível. As sementes estavam lá, quietinhas, encondidas entre as pedras a terra e a areia, só esperando um pouco de água, pra se nutrirem e mostrar sua beleza.

10 comentários:

  1. Nossa que relato heim!
    DOREI!
    Menina como é bom as vezes não sabermos oq passa kkkk

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  2. Se é Brenda....rs.Brigadim pelo elogio.
    bjos

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  3. Que experiência impressionante!Taí confirmando o ditado que diz depois da tempestade a bonança.Acho q só passando mesmo p entender,e assim a vida...
    bjo

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  4. Maga, me lembro que no dia seguinte ao Mohamed eu gravei uma fita contando pra uma amiga como foi tudo. Quem sabe ela ainda tem. Vou ver e acrescento detalhes se por acaso tiver. Nos anos 80 internet ainda engatinhava e lá naquele fim de mundo nem tinha nascido...rs
    bjos

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  5. Eita Ieda, minha vida fica sem graça perto dos seus relatos, aqui belos dizeres sempre, para inspirar nossa viagem...

    Bjus

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  6. Gui, a galinha do vizinho é sempre mais gordinha. Aposto que se você contar um causu seu, vou dizer a mesma coisa.
    bjos

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  7. Bom, quem apreciou um "Mohamed" sabe o quanto o danado é terrível. O filme "O paciente inglês" tem um Mohamed de tirar o fôlego, e a "Múmia" também. Duro era quando o "Mohamed" acontecia longe do acampamento, a poeira subia e como tudo que sobe tem que descer,( e cismava de cair em cima da gente), durava uns três dias de pó fino sem fim. Pior que o "Mohamed".
    Luiz César - Formiga - MG

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  8. Se lembro meu bem.. dormíamos mastigando areia, que saia até do travesseiro...bons tempos, hein?
    hehheeeeeee
    bjos

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  9. Verdade Socorro.....coisa de doido!!..rsssss...
    bjins

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