Estava de bobeira em Cannes, na casa da minha amiga e, de repente, começo a ouvir Djavan esguelando. Alto mesmo !
Pensei cá comigo: "só pode ser casa de brasileiro" (francês, mesmo gostando muito de música, jamais iria ouvir naquela altura).
Fui pra varanda, e espichei o ouvido pra sentir de qual apartamento tava vindo o som.
Várias janelas abertas, era difícil identificar.
Foi aí que chegou uma moça em uma varanda, varrendo e cantava na mesma altura.
Brasileiro conhece o outro de longe. Meus amigos franceses ficam doidos comigo quando começo a apontar brasileiro na rua. Não entendem como posso saber, no meio de tanta mistureba - brasileiro criolo, branco, japonês, moreno, loura - como sei que é brasileiro. Eu digo que ninguém anda como a gente. O jeito de andar, rir, sei lá. Só sei que nunca errei. Tenho um amigo que diz que é fácil, porque todos andam com a mochila na frente. Medo de roubo....rs. Mas eu não me engano e daquela vez não me enganei também. Vi que não era brasileira.
Fiz um gesto pra ela e perguntei em Português: "Você é de onde?". E ela respondeu em Português: "Daqui, sou francesa."
E daí começou uma bela amizade.
Eram mãe e dois filhos adolescentes, franceses que tinham morado durante muitos anos no Brasil, a mãe se separou do marido e estavam voltando. E moraram em Belo Horizonte. Pode? Mundo pequeno. Super simpáticos. Loucos com o Brasil e com o coração apertado por terem que vir embora, por isso o som naquela altura.
O apartamento todo zoneado com a mudança, e já tava ajudando a colocar as coisas no lugar, quando ela me contou um caso engraçado que tinha acontecido à noite e tava puta com o vizinho.
Disse que tinha se levantado pra ir à cozinha e trombou em alguma caixa que caiu e fez barulho. Normal. Normal no Brasil, cara pálida, lá é uma afronta fazer barulho à noite.
E não é que o vizinho subiu pra reclamar? Às 3 da matina?
Ela abriu a porta, o moço reclamou e ela disse pra ele: "Estou realmente de volta a essa terra de neuróticos. O sr. se deu ao trabalho de subir pra me encher o saco. Se fosse no Brasil, ninguém subiria mas, se subisse, seria pra ver o que tinha acontecido e se eu tava precisando de ajuda." Falou brava e fechou a porta na cara do moço.
Ela não ficou muito tempo por lá.
Da última vez que nos falamos, tava morando na Itália.
Deve ter sido o mais próximo da nossa zona que ela encontrou pra viver. Brincadeira! Casou com um italiano.
Mas tava amando. Os dois.