
Trabalhava eu em um prédio e o apartamento era no terceiro andar, mas meu quarto era no sétimo. Em Paris isso é muito comum, o último andar tem quartos que pertencem aos apartamentos. Cada um faz do seu o que quiser. Nesta época, eu estava sozinha no andar.
Sábado, inverno, resolvi dar uma geral no quarto, quiném vim ao mundo. Em casa é sempre assim.
E limpo e lavo e enxaguo e varro. Resolvi, só Deus sabe porque, dar uma varrida no corredor, pelo menos na minha porta. Como tava muito frio, enfiei uma camisetinha, que ia pouco abaixo da cintura, só pra dar a varridinha.
Você deve estar pensando: "já conheco essa história. O Homem Nu, do Fernando Sabino." Realmente a história é quase idêntica. E o aperto, idêntico.
Varri um tico e a porta ssxxlapt! Fechou atrás de mim. Evidente que só abria por dentro. Fiquei com aquela cara de " e agora ?" É uma sensação que não dá pra descrever.
Não me lembro quanto tempo fiquei ali esperando, tomar coragem pra fazer o inevitável: ir buscar uma chave no terceiro andar.
Tem um fato que, quem conhece a cidade, vai sentir mais ainda meu drama. O prédio é antigo, não tinha elevador, então colocaram um elevador daqueles abertos, que a porta fecha em sanfona, do lado de fora. Ele aterrisava no pátio ao lado da porta de entrada. Um cenário dos deuses pra quem tá pelado no sétimo andar e tendo que ir ao terceiro.
Depois de longos minutos pensando, resolvi enfrentar o frio e possíveis vizinhos. Benza a Deus que francês não fica nesse entra e sai de casa quiném a gente.
Puxava a camiseta na frente, a retaguarda ficava descoberta e vice-versa. Resolvi por bem proteger a dianteira.
Desci e fui tentar a sorte de achar a zeladora do prédio que morava na entrada, no térreo. Ela estava em casa. Como uma boa nativa, sentiu a tristeza da cena, não ficou me olhando, não riu (pelo menos na hora, não!) e foi correndo pegar a chave com minha patroa. Eu fiquei rezando pra família estar em casa. Enquanto esperava ainda tinha o cachorro da zeladora que agradou de mim e não saiu de perto, me farejando o tempo todo. Cena mais constrangedora não podia existir. Mas era melhor isso do que meu patrão abrir a porta e ver a "jeune fille au pair" de suas duas crianças, pelada na porta.
A moça voltou com a chave, peguei, agradeci e saí quiném um foguete, nem me preocupando mais com a traseira ao léu.
Só queria ficar livre daquela situação !
jeune fille au pair = Trabalho feito por estudantes. Normalmente buscam as crianças na escola à tarde e ficam até quando os pais voltam do trabalho, cuidando delas.