quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Meu filósofo de cabeceira - Millôr Fernandes

Paquera



Lá vamos nós, Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos e Fernando Sabino, andando pela noite tardia, "no tempo em que João, filho de Pedro, memorava" (Camões). Há bem tempo. Éramos jovens e sabíamos. Como sabíamos também que estávamos inventando a juventude, coisa bem mais recente do que se pensa. A cidade era mais vazia. Ipanema era o que depois se diria que era – os hunos ainda não tinham chegado.
E lá vamos nós.
De repente, entre uma casa e outra, um terreno baldio – havia casas e terrenos baldios na Vieira Souto. Através do terreno baldio vimos uma janela entreaberta e na meia-luz da madrugada entre avistamos uma maliciosa sombra feminina.
Paquera!, disse o Otto. Paquera, o quê?, disse um de nós, ou dissemos todos.
O Otto foi didático: "A maioria desses trabalhadores de obra anda aí pelos 20 anos. Vocês ainda devem lembrar dos 20 anos. Estão no máximo 10 anos longe disso. Vinte anos talvez, nem isso. Eles estão com a libido exigente – e nunca satisfeita. Viva e exigente, quarenta e oito horas por dia. Pau puro, se entendem o que digo.
Quando o edifício começa a subir do chão, as moças de família – tomem nota disso, vai acabar – da casa ao lado, que costumavam se vestir e se despir à vontade, de janela aberta, passam a tomar cuidado e fechar as janelas.
Os trabalhadores, com permissão do capataz, quase da idade deles, constroem imediatamente as paredes em frente às janelas das moças, no nobre intuito de preservar a intimidade das jovens (ou mesmo das tias). Só que..."
Otto fez um suspense. Fingimos estar satisfeitos com a nobreza dos trabalhadores. Mas o "só que" do Otto estava no ar. Ele próprio não resistiu.
"Só que de noite um ou dois tijolos da parede podiam ser retirados, e as moças voltavam a ficar à vontade, pra gáudio (!) e masturbação da rapaziada. E o buraco dos dois tijolos retirados passou a se chamar paquera.
Não me perguntem por quê."

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